Moderna gestão de recursos na escassez

A ciência econômica está fundamentada na ideia da escassez e do comportamento dos agentes. Desde os primeiros autores clássicos, passando por Keynes e pelos economistas contemporâneos, a economia busca compreender como indivíduos, empresas e governos tomam decisões diante da limitação de recursos e da infinidade de necessidades humanas. Em sua essência, o pensamento econômico parte de uma pergunta simples e ao mesmo tempo profunda: como utilizar recursos escassos para atingir fins desejados da maneira mais eficiente possível? Todos os modelos e proposições que analisam problemas de oferta e demanda, formação de preços, otimização de recursos e desenvolvimento partem dessa mesma premissa, entender o comportamento dos agentes diante da escassez. 

Mas o que é escasso e o que não é? Para alguns, escassez é falta de tempo. Para outros, falta de afeto e para muitos, falta de dinheiro. A percepção do que é escasso depende do ponto de vista e da situação de cada indivíduo. No entanto, para a economia enquanto ciência, definir o que é escasso é uma questão central, pois somente a partir dessa definição é possível propor mecanismos de alocação ótima, isto é, decidir como empregar recursos limitados para alcançar objetivos de forma eficiente. Em última instância, trata-se de fazer mais com menos. 

Essa lógica funcionou bem enquanto o principal recurso escasso parecia ser o capital financeiro. Durante séculos, a humanidade viveu sob a ilusão de que a natureza oferecia recursos infinitos, bastando trabalho e tecnologia para transformá-los em riqueza. A escassez era vista como um problema de produtividade, não de limites físicos. No entanto, essa visão entrou em colapso diante da nova realidade imposta pela crise climática e ambiental. O problema da escassez e do comportamento dos agentes, tratado desde os primórdios da economia, não foi ainda devidamente ampliado para incorporar o que hoje é, talvez, a escassez mais evidente de todas: a do planeta. 

Os sinais são incontestáveis. Segundo a Global Footprint Network, em 2024 a humanidade esgotou todos os recursos renováveis da Terra no início de agosto. Isso significa que, de agosto até dezembro, estamos operando no vermelho ambiental, utilizando recursos que o planeta não tem tempo de regenerar. Em 2025, a previsão é de que essa data chegue já em julho. A cada ano, a humanidade antecipa o chamado Dia da Sobrecarga da Terra, o equivalente a usar o cheque especial ambiental. 

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A crise ambiental é, em última análise, uma crise econômica. Se o problema central da economia é a escassez e se o meio ambiente se tornou o bem mais escasso, então não há crise mais econômica do que esta. No entanto, os instrumentos analíticos da economia ainda estão presos a uma lógica em que o capital financeiro é o principal recurso a ser otimizado. O sistema de incentivos continua voltado para o retorno monetário e não para a sustentabilidade. As decisões empresariais e de investimento seguem, em grande medida, orientadas por métricas financeiras de curto prazo, ignorando que o verdadeiro risco sistêmico hoje é ambiental. A atmosfera já não consegue absorver tanto CO2 quanto emitimos, os biomas não se regeneram na mesma velocidade em que são destruídos, as temperaturas médias sobem, alterando o equilíbrio climático do qual dependem a agricultura, a energia e a própria estabilidade social. 

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Repensar a escassez, portanto, significa repensar a própria economia. Significa reconhecer que, na era da mudança climática, o desafio não é apenas alocar recursos escassos, mas preservar as condições de existência desses recursos. Isso exige incluir o capital natural nos modelos econômicos, precificar o carbono, contabilizar o valor dos ecossistemas e reformular indicadores de crescimento. Implica substituir a ideia de maximização de lucro pela de otimização de bem-estar sustentável, considerando não apenas o retorno financeiro, mas o retorno social e ambiental. Exige também revisar políticas públicas e práticas de investimento, orientando-as por métricas de regeneração e não apenas de extração. 

A economia precisa, mais do que nunca, voltar à sua pergunta original, o que é escasso? Mas, agora, com uma nova consciência. O dinheiro pode ser multiplicado, o tempo pode ser gerido, o conhecimento pode ser acumulado, mas o planeta é único. O século XXI impõe à ciência econômica uma redefinição do seu próprio objeto de estudo. Se no passado o desafio era produzir riqueza, hoje é garantir que a riqueza não destrua as bases que a sustentam. A escassez que nos moveu até aqui  não é mais a de bens materiais, mas a de equilíbrio ecológico. E talvez a questão mais importante para a economia contemporânea não seja “quanto vale?”, mas “quanto custa continuar valendo?”. 

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